quinta-feira, 24 de julho de 2014

Interfaces entre a Psicologia e os jogos eletrônicos


   Os jogos eletrônicos tem cativado cada vez mais adeptos, seja como modo de lazer, para o desenvolvimento de habilidades físio-motoras ou em atividades didáticas. Tendo conceitos estéticos próprios e bem desenvolvidos, um horizonte de interatividade presencial e virtual cada vez mais amplo e uma rápida contingência de estímulo e resposta constituindo a cada passo a construção, a simulação de uma realidade bem estruturada e particularizada. Para cativar cada vez mais adeptos as possibilidades de gêneros dentro dos jogos são amplas , exigindo desde o desenvolvimento de capacidades sensório-motoras à elaboração de estratégias além de uma compreensão da dinâmica e regras próprias. Há também o fato desse tipo de atividade ter uma estreita relação com o uso da internet, com isso em vista, pesquisadores tem questionado a influência dessas atividades no comportamento dos jogadores.


   A influência de jogos em comportamentos violentos e a capacidade de desenvolvimento social dos jogadores frequentes tem chamado a atenção de pesquisadores para esses problemas. Sobre a relação entre  jogos violentos influenciarem comportamentos equivalentes, as pesquisas na área tem apresentado resultados divergentes. Uma vertente desses estudos demonstram que jogos violentos teriam correlação com pensamentos e afetos violentos, pois aumentariam a excitação fisiológica e diminuiriam comportamentos de adaptação social. Existe também a vertente de que, por meio de uma identificação com o personagem e o mundo do jogo, os jogadores seriam assim incentivados a expressar tendências violentas que já possuíam. Por fim, existem estudiosos que acreditam na hipótese que os jogos serviriam como uma válvula de escape para comportamentos anti sociais dos jogadores.


Dentro da questão sobre as capacidades de desenvolvimento sócio afetivo dos jogadores, alguns estudos tem mostrado que indivíduos que apresentariam dificuldades em relacionamentos sociais usam o jogo como maneira de se esquivar das situações sociais que causariam ansiedade e desconforto, substituindo as amizades do mundo real pelas do mundo virtual, as quais causariam menos efeitos aversivos. No entando existem estudos que mostram uma saúde piscossocial maior entre grupos  de jogadores quando comparados à grupos de não jogadores, abrindo assim a possibilidade da prática dos jogos, na verdade, possibilitarem uma forma alternativa de interação entre as pessoas.


   Essa divergência de resultados nas pesquisas que objetivam estudar o mesmo constructo podem representar  a pluralidade e complexidade desse tema, que apesar de ser um modo de lazer cada vez mais comum, ainda não é muito estudado no Brasil. O público alvo comum a esses estudos, mostra como ainda há campo para se desenvolver sobre o tema já que a maioria das pesquisas  tem como participantes crianças e adolescentes, sendo escasso os estudos com adultos jovens e adultos.


   Com base nessas informações, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) fez uma pesquisa com estudantes universitários, levando em consideração estudos pioneiros na área. Os autores criaram um questionário de 18 questões sobre comportamentos relacionados a jogos eletrônicos e internet, e utilizando uma escala desenvolvida por Salgueiro e Morán traduzida para a nossa língua, chamada Problem Video Game Playing (PVP) elaborada a partir de parâmetros de dependência para drogas e jogo patológico do DSM-IV com a finalidade de apurar a possibilidade de comportamento adicto referente a jogos eletrônicos.


   O estudo foi realizado com 83 estudantes universitários tendo idades entre 19 e 35 anos  que relataram terem jogado jogos eletrônicos nos últimos 12 meses  assim,  foi constatando que essa forma de lazer faz parte do cotidiano dos participantes,sendo a maior parte da amostra composta por homens com idade entre 19 e 22 anos, tendo preferêancia por jogos de ação de estratégia, cujas sessões de jogo duram em média 4 horas e normalmente a prática é feita em casa à noite as questões mais comuns relacionadas aos motivos da prática foram  o fato da atividade relaxar e pelo prazer no desafio de superar etapas, além do prazer de jogarem com os amigos. Dentre outras atividades de lazer praticadas, constatou se que navegar da internet se tornou uma atividade diária. Também foi possível distinguir dois tipos distintos de jogadores, os ocasionais e os frequentes, que jogam mais de uma vez por semana.



   Os jogadores frequêntes se caracterizaram por jogarem mais tempo por sessão e preferirem jogos de estratégia, RPG e esportes, os principais motivos que os levam a jogar são prazer o desafio de superar etapas e a possibilidade de jogarem com os amigos. Essas características condizem com estudos que apontam a popularidade dos jogos de RPG e MMORPG entre jogadores que fazem uso excessivo de jogos eletrônicos. Alguns fatores que podem contribuir para o comportamento adicto em jogos são as propriedades imersivas no cenário de jogo, ou seja, a construção de um universo próprio de jogo e a possibilidade de interação com esse,além da criação de laços sociais e constantes reforçamentos dados pelo sistema, que são incentivos para o jogador, através de uma evolução do personagem e a superação de etapas e desafios dentro do jogo são tidos como fatores de alto potencial para estimularem comportamento adicto.


   Quanto a capacidade de socialização dos jogadores,  foi constatada uma caracterização, quanto a sociabilidade, de dois estilos de jogador, pois os jogadores frequentes  relataram  ser a prática do jogo um fator de interferência em nos seus relacionamentos sociais.  Uma parte desses jogadores  afirma que passam mais tempo com amigos virtuais do que com os reais, levantanto a hipótese de que, por criar laços internos ao jogo, pode haver uma substituição com a interação real resultando em um isolamento. Porém a outra parte da amostra, que figura como a maioria total dos jogadores, relataram que o jogo não interfere em suas atividades sociais, abrindo a possibilidade dessa atividade ser uma nova forma de socialização.


   Sobre a possível relação entre comportamentos agressivos e jogos violentos, 60,5% dos estudantes relataram sentirem-se indiferentes após uma partida com jogos violentos e  8,6% disseram que sentem se mais relaxados, porém, 7,4% dos entrevistados relataram que se sentem mais agressivos após os jogo.  Esses resultados mostram  a viabilidade das possibilidades de tanto o jogo funcionar como uma válvula de escape como  realmente incitar a violência. No entanto é evidente que esse assunto necessite de mais estudos, talvez fazendo uma correlação entre jogadores ocasionais e os frequêntes.


   Sobre a pontuação dos estudantes na escala PVP, foi constatado que um grande número alcançou uma pontuação que já abre espaço para a possibilidade de comportamento adicto no jogo, no entanto,classificar um jogador como adicto ou não de jogos eletrônicos a partir da pontuação adquirida nessa escala ainda é uma ação prematura, pois há a necessidade de um maior desenvolvimento dessa e a possível adaptação para a nossa realidade já que ela só foi traduzida da versão original em inglês. 


   Objetivando uma melhor elaboração de suas questões, o item IV desta pesquisa, que se refere à “ Quando perco um jogo ou não alcanço os resultados desejados, preciso jogar de novo para alcançar meus objetivos.”  foi igualmente marcada tanto pelos jogadores que monstraram tendências adictas quanto pelos outros, Como um elevado número de participantes marcaram essa questão, isso pode estar denunciando a dualidade da mesma, dificultando a vilidade do instrumento em apurar as diretrizes do comportamento adicto.


   Além do mais existem autores que criticam o conceito de  dependência comportamental em detrimento ao conceito de alto envolvimento. Para esses autores o alto envolvimento seraria ligado à uma  alta dedicação a uma atividade sem que essa trouxesse concequências necessariamente negativas. 


   Assim se começa a desenhar o perfil do jogador brasileiro. Apesar da amostra ser pequena e particularizada, esses são os primeiros passos para compreendermos melhor  a relação dos jogos eletrônicos na nossa sociedade. Pesquisas futuras envolvendo um público mais heterogêneo e amplo são necessárias para haver uma uma consistência  e possibilitar a elaboração de instrumentos cada vez mais precisos  e adequados para suas finalidades.


   Os estudos que as dinâmicas entre novas tecnologias e o efeito que essas tem sobre nós são amplos e estão se desenvolvendo, muitas questões são levantadas procurando um melhor preparo das ciências para essa realidade que está se formando a largos passos. É de suma importância a aplicação da psicologia nesse campo de estudo para evitar possíveis problemas comportamentais que podem advir do uso patológico do jogo eletrônico bem como de outras tecnologias além da criação de instrumentos  e técnicas psicológicas adequadas, que possibilitem lidar com essa nova demanda que está sendo formada.

Referências:

SUZUKI, Fernanda Tomie Icassati et al . O uso de videogames, jogos de computador e internet por uma amostra de universitários da Universidade de São Paulo. J. bras. psiquiatr.,  Rio de Janeiro,  v. 58,  n. 3,   2009.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852009000300004&lang=pt

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